Qui, 05 de agosto de 2021, 14:00

Dispositivo para limpeza da língua é desenvolvido a partir de garrafa PET
Em comparação com modelos disponíveis no mercado, invento apresenta ótimo desempenho

O mau hálito pode ser motivado por diversos fatores, nem todos relacionados necessariamente à boca. Quando tem origem nesta, chama-se halitose intraoral, cuja principal causa é a saburra lingual, uma substância esbranquiçada que fica na superfície da língua.

Em geral, todo mundo forma essa substância durante o sono - o que justifica o “mau hálito” ao acordar -, sendo eliminada naturalmente por ações como a fala, alimentação etc. Mas às vezes pode haver uma alteração nesse processo natural, com aumento da saburra, sendo necessária uma higiene a mais na língua para remoção dessa substância.

Existem produtos específicos para efetuar essa limpeza, inclusive a própria escova dental é uma opção. Porém, esta pode gerar incômodos (como náuseas), e os outros dispositivos podem ser considerados caros para muitas famílias.

Ao perceber a situação, a pesquisadora Mônica Barbosa Leal passou a trabalhar com a ideia de um raspador de língua que fosse mais acessível. Ela ainda integrava outra universidade de Sergipe, e estudava a halitose intraoral com o professor Guilherme Macedo. Depois, ambos ingressaram na UFS, onde decidiram investir na criação de um dispositivo feito com o plástico da garrafa PET.

“A ideia inicial era de que o próprio paciente pudesse confeccionar esse dispositivo. Porém, com o desenvolvimento do trabalho vimos que não seria possível, porque, por conta da superfície desse dispositivo, poderia ser danosa para a superfície da língua. Tinha que ser um processo de confecção mais elaborado”, conta Mônica.


Mônica Barbosa Leal coordena a pesquisa que envolve estudantes da graduação e do mestrado em Odontologia. (Fotos: Schirlene Reis - Ascom/UFS)
Mônica Barbosa Leal coordena a pesquisa que envolve estudantes da graduação e do mestrado em Odontologia. (Fotos: Schirlene Reis - Ascom/UFS)

O dispositivo é confeccionado com a reutilização de garrafas PET, cortadas em formato adequado para limpeza e com a precaução para evitar danos à língua do paciente. O invento já tem um pedido de patente em andamento.

Bom desempenho

O estudo vinha sendo desenvolvido com a participação de alunos da graduação, por meio do Programa de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic), e teve também a contribuição de uma pesquisa de mestrado da Pós-Graduação em Odontologia, realizada por Carla Rocha São Mateus. A mestranda fez uma pesquisa clínica com pessoas não profissionais da odontologia, comparando o raspador PET com um raspador disponível no mercado - foi escolhido o modelo mais popular nas farmácias.


Carla Rocha São Mateus comparou, no mestrado, o desempenho do raspador feito da garrafa PET com um modelo comercial.
Carla Rocha São Mateus comparou, no mestrado, o desempenho do raspador feito da garrafa PET com um modelo comercial.

Ela explica que foi usado um aparelho chamado halímetro, para fazer a medição dos compostos voláteis orais ligados à halitose, antes e depois do uso de cada um dos raspadores. Carla e Mônica usaram também escalas para verificar a percepção dos pacientes durante o uso de ambos os dispositivos de limpeza lingual.

“O paciente fazia o uso tanto aqui na clínica, como ele fazia o uso durante 7 dias em casa, de cada um dos modelos, para poder justamente desenvolver essa percepção e poder responder a escala no último dia de uso”, diz.

“E aí a gente percebeu que eles têm realmente muitos dados semelhantes, a única diferença era só na facilidade de utilizar, que o paciente ainda tinha um pouquinho de preferência pelo modelo comercial, só que ao mesmo tempo a gente percebeu que era uma questão realmente de hábito - à medida que fosse utilizando, iria desenvolver a destreza para os dois modelos”, avalia a mestranda.


Os compostos orais ligados à halitose foram analisados nos pacientes antes e depois do uso dos raspadores.
Os compostos orais ligados à halitose foram analisados nos pacientes antes e depois do uso dos raspadores.

Efeitos adversos

As próximas etapas do estudo vão focar na avaliação dos efeitos adversos no uso dos raspadores. “Pensamos em avaliar, em estudos de longo prazo, a possibilidade de alguns efeitos adversos para raspadores de uma maneira geral, porque não temos na literatura dados que suportam possíveis efeitos adversos [causados] à superfície da língua, quer seja [pela] escova dental, quer seja [pelo] raspador comercial ou mesmo [pelo] próprio raspador que a gente está avaliando”, projeta Mônica.

Uma parte desse levantamento na literatura científica está sendo desenvolvida pela estudante da graduação em Odontologia Shalini Singh. Ela é bolsista do Pibic, mas sua contribuição está sendo por meio do TCC.

“O meu Trabalho de Conclusão de Curso seria o meu projeto de pesquisa do Pibic, só que como a gente não conseguiu dar continuidade à pesquisa, agora eu irei fazer uma revisão de literatura sobre os dispositivos para remoção da saburra lingual. Então a gente vai investigar na literatura todos os dispositivos e também verificar os efeitos adversos relatados”, conta a discente.

O Pibic de Shalini seria uma ampliação da pesquisa com pacientes, mas não foi possível por conta da pandemia do novo coronavírus, somando-se ainda a uma reforma que ocorreu no prédio do Departamento de Odontologia, local de execução do estudo.


A graduanda Shalini Singh realiza agora a revisão de literatura a respeito dos efeitos adversos no uso dos diversos dispositivos.
A graduanda Shalini Singh realiza agora a revisão de literatura a respeito dos efeitos adversos no uso dos diversos dispositivos.

Expectativas

A ideia da criação de um raspador para a limpeza da língua a partir de material reciclável, segundo Mônica, era tornar o produto acessível à comunidade em geral, “principalmente em um país em desenvolvimento como é o nosso, onde é difícil o acesso aos serviços de saúde, de difícil aquisição [até] mesmo de produtos de higiene”, pontua a docente.

Ela sonha inclusive com a possibilidade de que o raspador PET possa ser distribuído aos pacientes que não possam adquirir o modelo comercial. “Talvez, dentro da própria universidade - uma empresa júnior, não entendo muito disso -, mas algo que pudesse o poder público se apropriar para poder confeccionar e fornecer esses dispositivos nos casos de pacientes que houvesse indicação para seu uso”, vislumbra.

No entanto, mesmo para o desenvolvimento do estudo, Mônica ressente-se dos desafios encontrados. Ela relata, por exemplo, que durante a pandemia houve um importante aporte financeiro da universidade para a manutenção das pesquisas na instituição.

“Foi um valor de R$ 4 mil, porém, por causa da obra [no Departamento] e por causa do momento que estamos vivenciando, nós não executamos a [etapa da] pesquisa. E essa verba foi para a vigência do Pibic [2020-2021]; fizemos o levantamento dos materiais, mas como não sabíamos se a obra ia finalizar, a gente não comprou nada - e como não foi utilizada, terá que ser devolvida”, explica Mônica.

“Então a ideia é que financiamentos como esse, durante a vigência dos próximos Pibics, pudessem ser uma rotina. Seria importante, porque valores que não seriam tão altos… até metade desse valor já ajudaria bastante a comprar insumos para que a gente possa desenvolver os trabalhos de maneira mais independente”, defende a docente.

Além da parceria com o professor Guilherme Macedo, e das colaborações de Carla São Mateus no mestrado, e de Shalini Singh no Pibic, outros participantes contribuíram no estudo. Desde 2014, discentes de Odontologia participaram do Pibic colaborando na pesquisa: Joelmir da Silva Góes, Andrea Gomes Dellovo, Isabela Alves Barros, João Norberto Pereira Neto, Rafael Pereira Gois, Iandra Luah Souza Maia e Ludmilla Lorena Borges de Souza Barbosa.

Marcilio Costa
comunica@academico.ufs.br


Atualizado em: Seg, 16 de agosto de 2021, 16:17
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